De acordo com o escritor Abraham Kuyper (2022), Lia recebeu um comentário curioso sobre seus olhos: eles eram delicados, ternos. Porém, ao compará-la com Raquel, chamada de bonita, Lia teria traços comuns, não sendo necessariamente feia. Mas aos seus próprios olhos ela era considerada desagradável. Essa era a imagem que ela tinha e fazia de si própria. E esse não era o único fator que a fazia ter uma baixa autoestima. Mesmo as leis da época permitindo, Lia era rival da sua irmã Raquel, que de imediato havia conquistado o coração do primo Jacó, que por ela prestou serviços ao pai de ambas as moças por vinte anos.
No entanto, os planos de Deus se revelaram bem diferentes daquilo que Raquel e Lia acreditavam que fosse o melhor para elas. Lia não era atraente, na verdade recebeu uma bênção mais rica do que a linda Raquel. Raquel teve apenas dois filhos, José e Benjamim. Destes, José foi vendido como escravo e deu origem a duas tribos de Israel. Quanto à tribo de Benjamim, ela foi quase totalmente exterminada por causa de um terrível pecado nacional em que incorreu. Lia pode se orgulhar de ser a mãe de Judá, e Judá, de Davi e de Cristo e outro dos seus filhos seria o fundador da linhagem dos sacerdotes em Israel.
Isso não é dito em elogio a Lia como mulher. Mas Raquel era a esposa favorita, era a mulher amada por Jacó e ela apenas lhe fora imposta pelo pai e os costumes vigentes à época. Lia ajudou Labão enganar a Jacó no dia do casamento deste com Raquel e isto gerou mágoa, ressentimento, retaliação. E mesmo depois de morta, Lia podia sentir a presença da irmã. Ela via sinais da irmã no coração partido de Jacó, nos olhos escuros de José, no choro alto do pequeno Benjamim, seus filhos favoritos. Eram os filhos de Raquel. Ela podia ouvir sua bela e decidida irmã chorando pelos filhos que poderia ter tido, recusando-se obstinadamente a ser consolada. Todavia, ninguém notava suas lágrimas. Mesmo que inundassem o deserto, ninguém as notaria. Porém, Lia tinha uma coisa. Deus tinha milagrosamente colocado fé em seu coração. Quando Rubem nasceu, ela louvou a Deus porque era vista com benevolência. Ao receber Simeão, ficou feliz porque Deus a consolou do ódio de que fora vítima. Quando Levi nasceu, ela ficou feliz porque seu marido a amaria. Mas, quando Judá nasceu, ela já havia vencido o egoísmo de seu coração e substituído por uma gratidão sincera: “Agora”, disse ela, “louvarei ao Senhor”. Lia não fez isso sozinha, mas foi Deus quem fez isso em seu coração. Raquel não fez o mesmo. A glória do Senhor não é expressa nem em nome de José nem em nome de Benjamim. O louvor ao Senhor está apenas em Judá, porque Judá significa “aquele que louva a Deus”.
As duas irmãs, Raquel e Lia, lembram-nos de que a vida está repleta de tristezas e de perigos, grande parte fruto de nosso próprio pecado e egoísmo. As duas mulheres sofreram – cada uma a seu modo – a maldição de Eva depois da expulsão do paraíso. Embora Raquel sofresse muito ao dar à luz filhos, Lia sofreu a angústia de amar um homem que parecia indiferente a ela. Todavia, ambas tornaram-se mães em Israel, deixando sua terra natal para desempenhar papéis essenciais na história do grande plano de Deus para o seu povo. A promessa de Deus é: “Tornarei o seu pranto em júbilo e os consolarei; transformarei em regozijo a sua tristeza.” (Jeremias 31.13)