O ser humano é dotado de um corpo capaz de sentir e fazer muitas coisas que podem ser vistas como pequenos milagres. Sentir gosto, cheiro, vontade, emocionar-se com uma bela imagem ou música. O prazer é uma dádiva recebida pelo ser humano. A sexualidade é uma inegável fonte de prazer.
Porém, é comum em nossa cultura ouvir que esse prazer específico é mais potente e presente nos corpos masculinos. Haveria explicação fisiológica para isso? Os corpos das mulheres têm menos sensores de prazer que os dos homens?
Não há explicação fisiológica para isso. Pelo contrário, o número de sensores de prazer no órgão sexual feminino (o clitóris, localizado externamente no início superior da abertura dos lábios internos) é o dobro dos existentes na glande peniana.
Então, o que explicaria o ímpeto masculino, quase irrefreável, para o contato sexual, e a recusa feminina para o mesmo encontro?
Falamos aqui de boa parte das pessoas. Se vocês, leitores, mulheres ou homens, não se encaixam nessa descrição, podem continuar a leitura, pois também irá ajudá-los a entender.
A história começa com nossas antepassadas, tataravós, bisavós e avós. Mulheres criadas para cuidar da casa e criar filhos que fossem a mão de obra da família, ou seja, quanto mais homens para o serviço pesado, melhor. A sexualidade feminina era voltada para fazer filhos, com ou sem desejo, com ou sem amor. A medicina precisou intervir criando ao menos quarenta dias de resguardo para a recuperação dos corpos femininos, que voltavam a engravidar, por obrigação, ainda amamentando.
Os meninos eram estimulados ou mesmo iniciados sexualmente ainda crianças, com dez, onze, doze anos. Eram levados a prostíbulos, apresentados a revistas e vídeos adultos. Essa hiperestimulação precoce não era vista como abuso sexual contra os meninos e a sequela era, e é, uma sexualidade compulsiva de difícil controle na vida adulta. Com o tempo, apresentam vícios em estímulos cada vez mais fortes, deixando os homens insatisfeitos com a sexualidade no cotidiano do casamento, estimulando o desejo inclusive por crianças, a pedofilia, visto que os estímulos iniciavam na infância.
Enquanto isso, as mães tentavam proteger as filhas de abusos, tão comuns e silenciados. Amedrontavam-nas e privavam-nas do conhecimento da sexualidade, buscando que escapassem do martírio do qual as mães viviam, mesmo dentro dos casamentos.
Assim, chegamos em 2009, quando cientistas descrevem pela primeira vez, baseados em imagens de ressonância magnética, o órgão sexual feminino, com sua parte interna e externa e sua única função: o prazer.
Hoje, a ciência entende que crianças que não sejam submetidas a abusos ou exposição à pornografia e sexualidade adulta, terão sensações genitais espontâneas de prazer e autoconhecimento por volta de quatro anos de idade, nada tendo a ver com desejo sexual adulto, mas uma fase de amadurecimento dos órgãos genitais. Esses momentos de toque passam sozinhos, conforme a criança cresce e envolve-se com outras atividades.
Os pais precisam estar atentos. Ensinar o nome correto das partes do corpo, enfatizar que essas partes são íntimas, delicadas, sagradas, que é preciso cuidar bem delas, não machucar e não permitir o toque de outros adultos. E se um adulto tentar fazer contato em suas partes íntimas é preciso fugir, gritar e contar para os pais.
Crianças sem espaço para conversar com os pais, contar seu dia, contar dos erros e receber ajuda para corrigir são crianças em situação de abandono emocional e estão mais sujeitas a abusos sexuais.
Todavia, se crescerem protegidas e bem orientadas, elas conseguirão na vida adulta relacionar sua sexualidade ao amor, sem vícios ou excessos, sem nojo ou medo, sem repressão e sem compulsões.
Proteger as meninas de abusos sexuais, passa por proteger os meninos da exposição precoce ao sexo.
As estatísticas apontam: a grande maioria das mulheres vítimas da prostituição foram abusadas sexualmente desde crianças, e os homens que abusam de crianças foram expostos à pornografia e/ou abusados sexualmente desde sua infância também.
A cura do mundo, para alcançarmos uma sexualidade sagrada, baseada no amor, respeito, no prazer e na alegria de gerar novas vidas, passa pela proteção carinhosa e cuidadosa de todas as nossas crianças. Passa também pela cura da criança que fomos, pela libertação dos vícios e estímulos sexuais excessivos e pela libertação do medo e do asco da nossa sexualidade.
Um importante passo nesse caminho é contar sobre sua infância para a sua família, para a sua terapeuta ou para sua orientadora religiosa.
Falar cura e liberta não só a pessoa que sofre, mas muitas gerações que ainda nascerão, libertas do medo, da culpa, da dor. Livres para amar.